A primeira
vez que vomitei depois de comer foi num jantar na casa de um ex-namorado
riquinho (querido!) cuja mãe me detestava e vivia jogando indiretas de que eu não servia para ele, de que a ex dele, sim, era uma moça a sua altura e de que eu estava com o rapazote por interesse.
Tudo muito sutilmente, claro. Essas coisas eram ditas na base da "brincadeirinha", of course.
Não estava! Além de ser apaixonada pelo moço na época, eu era uma adolescente idealista, sonhadora, rebelde e meio hippie - recusava-me a
estudar inglês, por exemplo, porque não queria me curvar ao "capitalismo selvagem
dos EUA".
Eu tinha apenas
17 anos e na minha cabecinha a beleza era o meu maior (se não único) valor e o
meu corpo era a única coisa que podia de fato controlar, portanto
"tinha" que me manter magra!
Mas eu
adorava comer! Minha família italiana por parte de pai se reunia todo domingo
em volta de uma mesa farta, cresci com uma nonna fazendo nhoque e pudim de
leite na cozinha.
Como fechar
a equação "gostar de comer" x "ficar magra"?
Simples:
vomitando tudo que comia, tomando laxantes fortíssimos antes dos jantares caros
que o namorado riquinho pagava - ah, se a sogra megera soubesse que
literalmente caguei todo o dinheiro do filhinho dela, rarará - e treinando
obsessivamente.
Foram 2 anos
contando calorias, treinando muito, vomitando e tomando laxante.
Minha família não percebeu, pois não cheguei a
emagrecer demais - mamãe achava apenas que eu estava com mania de dieta e às
vezes comentava, inocentemente, com alguma visita:
_ Essa menina, agora, parece
um coelho, só quer saber de comer folha!
Aos 19 anos
a faculdade de Psicologia me salvou!
Logo no
primeiro período tive aulas sobre Transtornos Alimentares e fiquei perplexa com
os vídeos que assisti contendo depoimentos de garotas que eram pele e osso -
naquela época a Internet e seu vulcão de informações ainda não haviam
explodido; eu nunca tinha escutado falar de bulimia.
Senti um
medo TERRÍVEL de ficar igual àquelas meninas e simplesmente PAREI o que estava
fazendo.
Depois me
mudei para o Rio, cidade onde a preocupação com os corpos exibidos na praia é
grande e entrei no fluxo da cidade praiana: treinos diários, bicicleta como
transporte; passei a comer somente grãos integrais, legumes, verduras frescas -
uma quase ortorexia (já era vegetariana).
Hoje em dia
é raríssimo acontecer um ataque de hiperfagia - compulsão alimentar desenfreada
na qual se come vorazmente diversos tipos de alimentos, misturando doce com
salgado, engolindo praticamente sem mastigar.
Há anos não
tomo laxante nem vomito meus jantares, mas estou longe de ter uma relação
saudável com a comida. Sempre existe um sentimento de culpa rondando os espaguetes
que como e uma tendência a treinar mais quando acho que exagerei no garfo.
Parar de
fumar e ganhar um pouco de peso acordou todos esses fantasmas, porém tenho
trabalhado essas questões na terapia com coragem e honestidade e aos poucos
tenho conseguido me convencer de que "estar no peso ideal" não é um
pedágio que preciso pagar para existir.
Falei mais sobre o assunto no texto eu tinha tinha transtorno alimentar e fingia que não sabia
monicamontone
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